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Os terapeutas do abraço

A reportagem conta a história de três Terapeutas da Alegria sobre a vivência nos hospitais, as emoções e as recompensas de dedicarem seu tempo livre para levar alegria aos pacientes, acompanhantes e à equipe médica.

Os encontros com pessoas em situações difíceis são lições de vida para os terapeutas. Às vezes os pacientes só querem alguém para conversar.
Os encontros com pessoas em situações difíceis são lições de vida para os terapeutas. Às vezes os pacientes só querem alguém para conversar.



Eles percorrem os corredores do Hospital Universitário da UFSC, vestidos de médicos com um jeitinho todo cômico de ser. Nariz vermelho de borracha, jaleco branco com seu nome de palhaço: são os Terapeutas da Alegria, ou mais precisamente os TA’s, como gravado em cada jaleco. Desde 2007 eles atuam na UFSC, proporcionando aos pacientes um pouco de diversão no ambiente hospitalar, lugar que muitas vezes aparenta ser apenas de espera pelos resultados médicos e diagnósticos.

O T.A. faz parte do NUHAS (Núcleo de Humanização, Arte e Saúde), um programa de extensão do Departamento de Saúde Pública da UFSC. Eles atuam como voluntários e, por isso, o tempo de permanência pode variar. Alguns ficam apenas um semestre, outros trabalham durante todo o período de capacitação. O curso de formação acontece em três semestres e, a partir da segunda fase de formação, os T.A.s já podem atuar nos hospitais. Isso faz com que se habituem às relações hospitalares, pois nem todos são da área da Saúde. São estudantes de diversos cursos de graduação da UFSC, outros apenas membros da comunidade, que interagem com pessoas internadas em hospitais. Atualmente, o projeto intitulado Terapeutas da Alegria tem sido realizado apenas no HU, com a possibilidade de fechar parceria com o Hospital de Florianópolis, no bairro estreito.

O projeto surgiu na cidade de Tubarão, em Santa Catarina, quando um estudante de medicina decidiu usar técnicas de palhaçoterapia na rotina do hospital e nas práticas médicas. A ação foi apoiada também por um grupo de estudantes, colegas de faculdade, que se reuniam para desenvolver estudos de palhaçoterapia e práticas de artes cênicas e artísticas para os hospitais. Com esse grupo formado, eles começaram a realizar visitas nos hospitais. Aos poucos, o projeto ganhou nome e se estruturou, e a partir desse grupo surgiram as primeiras visitas, assim outros profissionais da Saúde quiseram aplicá-lo também em suas universidades. Foi o caso da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) e, posteriormente, a UFSC. Na Federal, o projeto começou em 2007, com a ajuda da pedagoga Rosiléa Rosa, que na época era docente da Unisul e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da UFSC. Ela propôs que o projeto fosse aplicado também no HU, com a ajuda do médico Thiago Demathé e do estudante Gustavo Tanus, ambos da Unisul. A primeira seleção do projeto teve 40 participantes e eles atuaram como voluntários, assumindo a identidade de Dr. Palhaço, no Hospital Infantil Joana de Gusmão, em Florianópolis, visitando crianças internadas. Atualmente, o projeto é coordenado pelo professor Walter de Oliveira Ferreira e envolve estudantes e comunidade.

A ação não é isolada e exclusiva da Federal. Ela é desenvolvida por outras equipes em hospitais espalhados pelo país, que utilizam a palhaçoterapia e a relação com o teatro do oprimido como metodologia para levar o trabalho de humanização aos locais de internação. A proposta também não é brasileira. Surgiu em 1980 com o oncologista infantil Patch Adams, que influenciou muitos médicos pelo mundo a buscarem a melhoria do ambiente hospitalar e a relação médico paciente.

A atuação dos voluntários da UFSC ocorre num período de duas horas em cada visita. Eles percorrem 12 quartos, nos quais cerca de cinco pessoas estão internadas, mais os acompanhantes dos pacientes. As visitas acontecem nas quartas e sextas à noite e aos sábados pela tarde. Quando entram no projeto são todos estagiários, nome que os novatos recebem carinhosamente em forma de brincadeira. Nas primeiras visitas eles ainda não tem o nariz de palhaço e nem o nome de Terapeuta, isso tudo é conquistado com o tempo de capacitação. Para iniciar a interação, eles marcam uma hora antes na sala do NUHAS, vestem seus jalecos e entram no personagem. Num formato de círculo, abraçados, respiram fundo e colocam o nariz vermelho e, a partir disso,tornam-se palhaços e só do personagem quando retornam à sala do projeto.

O estagiário é o motivo da brincadeira, os veteranos costumam pedir aos pacientes que deem provas para os estagiários: vale cantar uma música, imitar um animal, contar uma piada. Ao final da performance, o paciente tem que dar uma nota ao voluntário e, quem sabe, ajudar na criação do nome do futuro terapeuta. Foi como estagiária que Valéria encontrou seu personagem. “Eu logo descobri minha palhaço interior e nunca mais fui a mesma Valéria de antes.” Valéria Felczak, 21 anos, é a palhaça Naturalina. Ela coordena a equipe de terapeutas e organiza as visitas semanais, juntamente com mais dois coordenadores, Bruno Moriwaki e César Bertoncini.

Estudante da nona fase do curso de História, na UFSC, Valéria participa do projeto há dois anos. Ela entrou no começo de 2016, motivada pela ideia de contribuir e somar a um projeto voluntário. “Lembro-me de receber o convite através do e-mail do Divulga UFSC e procurar informações em todos os sites possíveis para saber mais sobre o Núcleo e, principalmente, seus projetos de humanização”. Mas no começo, o interesse não foi imediato pelo projeto de palhaços por achar que não seria “talentosa” o suficiente para compor os terapeutas. “Mal sabia eu que para ser T.A só precisava comprar um nariz vermelho”, brinca.

O nariz da Naturalina é o mais diferenciado: no formato de morango. A personagem sempre está muito colorida, de óculos verdes e chapéu com flores. A brincadeira entre os terapeutas é que a palhaça adora soltar uns “punzinhos”, porque é adepta ao natural. A piada é sempre usada quando eles estão subindo os elevadores para o segundo andar, onde ficam as clínicas cirúrgicas I e II, do HU. Motivo de risos de pacientes e acompanhantes. Além do clima de risos, o projeto para Valéria é uma válvula de escape para lidar com toda a pressão universitária sentida no curso. “Sem a Naturalina, eu com certeza já teria surtado. Pode ser que o projeto não tenha influência direta na minha graduação, mas tem tudo a ver com a formação da Valéria, como ser humano e futura profissional”, admite.

Ela conta que na construção do personagem há uma ruptura entre o eu antes e o eu depois de se tornar um TA. Entrar em contato semanalmente com o hospital, uma área totalmente inexplorada antes pela estudante, transformou-lhe em vários aspectos. Um deles tem a ver com o modo como enxergava os hospitais. “Quando entramos no hospital, nós ressignificamos o espaço através das nossas cores, falas e bagunça, acabamos afastando o pensamento das pessoas da internação, da rotina, dos problemas, e do passado ou do futuro, trazemos elas para o “aqui e agora”, tentando envolvê-las numa sintonia diferente daquela que eles estão há horas, dias ou meses”, explica.

Durante as visitas aos hospitais, os terapeutas precisam se adaptar às situações de fragilidade, da recepção do paciente e de seus acompanhantes, como também do estresse do enfermo por estar internado. “A humanização começa por nós, e nós nos tornamos instrumentos para levá-la aos setores hospitalares através da nossa própria energia em conexão com a energia das pessoas que iremos encontrar lá, sejam pacientes, acompanhantes, enfermeiros, médicos, seguranças, ou funcionários em geral”, reconhece a estudante.

“A humanização começa por nós, e nós nos tornamos instrumentos para levá-la aos setores hospitalares através da nossa própria energia” (palhaça Naturalina).

Nos hospitais, os profissionais de saúde acabam desempenhando apenas seu trabalho sem muito enfoque nas brincadeiras e os terapeutas nem sempre estão preparados 100 % para enfrentar todas as situações de fragilidade que encontram. Nos resultados obtidos no acompanhamento dos T.A.s, Soraia Catapan, mestre em Saúde Coletiva, descreveu que os pacientes compreendem que os enfermeiros têm um papel claramente técnico e sua função não contempla escutar ou brincar. As visitas dos terapeutas proporcionam a humanização que falta. Em um dos relatos descritos na dissertação, um paciente justificou a afirmação. “As enfermeiras tratam bem, cuidam da gente, mas elas não têm tempo de brincar, de ficar falando com a gente, amenizando a dor”. Soraia não critica o trabalhos dos profissionais, já que a carga de trabalho e o desempenho nas atividades dificultam o tempo para brincadeiras.

A vivência no Hospital

O trabalho dos T.A.s não contagia somente os pacientes e os familiares, para os quais as visitas são direcionadas. Do trajeto da sala de preparação, no CCS, até o HU, eles interagem com quem estiver pelo caminho: pessoas da rua, servidores públicos, estudantes da UFSC ou agentes de segurança, todos entram na brincadeira com acenos e elogios. As crianças são as que mais ficam hipnotizadas e pedem abraços. Ao chegarem ao plantão o divertimento continua e segue dependendo da recepção dos internados.

Soraia Catapan acompanhou os voluntários por seis meses nas reuniões, nas capacitações e em sete visitas nos hospitais, a fim de avaliar como estavam sendo desenvolvidas as ações com adultos nas enfermarias do HU. Nas visitas, presenciou as reações mais variadas dos participantes. “As pessoas recebem de formas diferentes. Uns gostam, já chamam para entrar, abrem aquele sorriso. Outros fecham a cara. O mais legal de ver é quando a gente percebe que aquele paciente estava esperando a visita dos terapeutas”, conta Soraia.

No começo, os pacientes podem até pensar: “será que eles não são solidários com a minha dor?”-, indaga a pesquisadora. Dá para ver a sensação no olhar deles quando os terapeutas da alegria entram: “O que é isso? Alguém vai tirar essas pessoas daqui?” Aos poucos eles vão se entregando, porque os terapeutas, com um jeitinho todo alegre, têm todo um cuidado de como tratar o paciente.

_ Posso entrar?-, pergunta o palhaço. Dependendo de qual for a resposta do paciente, os TA’s direcionam a interação.

Às vezes, a resposta é um tom mais ácido, sarcástica, mas às vezes é algo mais solidário, de ter a quem lhe ouvir, de estar junto, de tirar o foco da doença. Ou é em um clima de brincadeira. Soraia conta que uma vez estava acompanhando uma visita e eles chegaram em um quarto e o paciente estava com soro:

_ Tá tudo bem aqui no SPA? O que tem aqui, é água de coco? -, brincou o terapeuta.

_ Não, isso aqui é vodka! -, rebateu o paciente.

_ Opa!

São vários tipos de pacientes. Como a rotatividade é grande, fica difícil criar um vínculo de muitos encontros. Isso não quer dizer que não existam laços de amizades ao longo das visitas. “Fazemos alguns amigos especiais ali, mas vamos como palhaços e esses laços tendem a ficar entre os pacientes e os personagens palhaços”, conta o terapeuta Bruno Moriwaki, de 33 anos.

Bruno trabalha na escala de dias sim, dias não. Ele só consegue trabalhar em semanas alternadas, o que inclui participar de reuniões e visitas. Quando realmente tem tempo livre, encontra-se de corpo inteiro para o projeto. O terapeuta resolveu entrar no projeto porque achava que precisava fazer algum trabalho voluntário e ao mesmo tempo trabalhar o seu lado comunicativo, que nunca foi muito bom. Achava que se fantasiar de palhaço e improvisar com pessoas desconhecidas seria uma vitória pessoal. Bruno, poderia ajudar alguma casa de caridade doando alimentos, limpando ou fazendo algum serviço, mas não era ainda o seu objetivo. “Ah, mas não seria a mesma coisa, quero sentir essa interação, o olhar nos olhos e compartilhar o sorriso de gratidão!”. E foi assim que, proveniente de uma uma área militar, onde atua até hoje, Bruno resolveu abraçar a ação voluntária.

No início era uma luta pessoal, sentia-se como um peixe fora d’água. Não era por causa da equipe, mas sentia que não tinha o direito de estar ali. “O pessoal é bem mais jovem, estudantes, são de outra realidade”, explica. Acabou ficando por insistência e por saber que o projeto lhe fazia bem.

Ser um terapeuta é uma terapia até para quem faz parte da equipe. “Estar com eles é essencial para equilibrar meu dia-a-dia”, confessa. No trabalho militar, já escutou coisas do tipo “abraçar homem é coisa de viado”, mas a relação construída no trabalho com os T.A.s fez ele respirar outros ares e perceber que não há problema algum em demonstrar afeto. Bruno acredita que o palhaço é um ser de coração aberto, cheio de amor e compaixão para doar, mas que precisa estar preparado para novas emoções.

Emocionar é algo natural nas visitas hospitalares. “Você encontra alguém enfrentando uma doença e até a própria morte, mas mesmo assim algumas pessoas estão felizes e energizam os terapeutas. Lembro de uma garota que ficou muito tempo no HU. Ela estava sempre sorrindo, então a gente gostava de passar primeiro pelo quarto dela para ganhar energia e depois partíamos para os outros quartos”. Algumas histórias são lições de vida. Bruno lembra o dia em que conheceu um garotinho que brincou com a equipe, apesar de seu estado de saúde:

_ Hoje eu estou bem, ele falou, amanhã eu vou tirar um pulmão, mas tá tudo bem, eu tenho outro!”

_ Eu fiquei sem ação na hora. Em outra visita foi muito reconfortante encontrar o mesmo garoto, brincando de novo com a gente.

O projeto Terapeutas da Alegria leva uma mensagem que parece estar um pouco fora de moda, como as relações humanas, as emoções e o amor. “Vivemos numa correria de conquistar trabalho, salário e comprar produtos para nos exibir e ser aceito pela sociedade e, só assim, sentir-se merecedor. Quando vamos ao hospital, lembramos às pessoas que existem emoções boas em todo o momento e que podemos rir sempre”. Para Bruno, isso ajuda a mudar um pouco o foco no coração dos participantes, com uma atitude que pode ser considerada muito simples. “Parece até boba, mas é como uma borboleta que pousa no prato da balança e faz ela pender pro lado”, compara.

O poder transformador de ajudar

O amor pelo projeto é algo que motiva a assiduidade de muitos terapeutas. Assim como Bruno, César Bertoncini, 24 anos, sempre diria sim ao T.A. Ele faz parte do NUHAS desde o segundo semestre de 2013, mas só começou a visitar o Terapeutas da Alegria em junho de 2014. No início era tranquilo, uma ou duas visitas por semana, reservava-se para as visitas no hospital, de uma forma organizada que não tinha como faltar. Ao colocar a ação como prioridade, logo se tornou um coordenador de visitas. “Não importava quantas provas eu tinha para estudar, quantos trabalhos eu tinha para fazer, as visitas eram sagradas”. Em junho de 2015, o seu horário começou a ficar apertado, fazia estágio todos os dias pela manhã e, na maioria das tardes, fazia experimentos para seu TCC. “A noite eu tinha que escrever TCC, treinar time de vôlei da atlética do curso (uma vez por semana), fazer academia e dar atenção para a namorada; ainda estávamos com falta de coordenadores e eu tinha que coordenar dois dias seguidos, foi loucura, teve poucas semanas que só conseguia ir um dia só por estar muito cansado”. César fazia faculdade de Farmácia na UFSC, agora formado, mora em Imbituba e, como não pode estar sempre na equipe de terapeutas, participa apenas aos sábados nas visitas ao HU.

O Terapeutas da Alegria têm um enorme significado na vida de César. As visitas lhe ajudaram nos momentos mais tensos pelos quais passou. “Creio que às vezes as visitas faziam melhor para mim do que para os pacientes em si. Cada visita é um “tapa na cara”, às vezes a gente se queixa de coisas pequenas e chega lá no hospital e vê gente andando na corda bamba entre a vida e a morte, mas tendo um sorriso no rosto e um pensamento otimista para a vida, é uma enorme lição de vida mesmo”, emociona-se. Quando iniciou as visitas, não conseguia mais parar, não perdia sequer uma única semana. “Você vai e começa a pegar o jeito e daí as conversas e piadas fluem naturalmente. Você não sente vontade de parar. É mágico!”.

São muitas histórias e vivências dentro do hospital naquelas poucas horas de visita. Algumas pessoas ficam agradecidas, outras encaram como um momento de superação e forma de ver a vida. A situação que marcou César na aplicação do projeto foi em sua primeira visita. Ele tinha acabado de receber uma nota “horrível”, em um trabalho acadêmico, que segundo ele, tinha se esforçado muito e precisava ir bem na matéria. Estava chateado, mas como já tinha marcado a visita, foi assim mesmo. Chegando ao Hospital encontrou um paciente que tinha uma doença na garganta. Até hoje César não conseguiu tirar da cabeça o que aquele paciente lhe disse:

_ Amanhã os médicos farão uma cirurgia que eu não poderei mais falar, mas eu estou feliz porque continuarei vivo.

_ No momento que ele falou isso parecia que eu tinha tomado um soco no estômago e dois na cara e veio aquela voz na cabeça: “o quê? Você tá reclamando da vida porque tirou uma nota baixa? Olha essa pessoa, ela vai perder a voz e está muito melhor que você!”.

No dia seguinte, ele conseguiu ir à visita de novo e viu o mesmo paciente. “Ele já não estava mais falando, mas dava para notar nos olhos dele a satisfação por poder continuar a viver. Já tive inúmeras lições no HU, mas essa, por ser a primeira e tão impactante, ainda me emociona até hoje”, relembra.

O palhaço diz que é muito difícil exprimir em palavras qual o significado de fazer parte do projeto. “Torna-se uma coisa simples, tão rotineiro que na minha cabeça não tem nada de especial colocar uma roupa diferente, um nariz de palhaço e ir no hospital. O significado são os pacientes e acompanhantes, eles acham um trabalho lindo, maravilhoso, só elogios”. Os pacientes vão e voltam, mas César percebe o quanto eles amam as visitas e a aceitação pelos encontros com os palhaços é muito calorosa e afetuosa. “Eles nos esperam, eles ficam ansiosos pela vez do quarto deles. A partir do momento que aceitam nossa visita, todos tornam nossos amigos, em poucos minutos de conversa parece que temos uma amizade de longa data, a aceitação é muito grande”.

Para a coordenadora Valéria, os palhaços não são artistas, são pessoas comuns que levam alegria de forma voluntária a outras pessoas, e por isso é muito fácil se sensibilizarem com a situação e se deparar com grandes desafios nos hospitais. “É complicado ver algumas cenas que mexem conosco e não podemos fazer nada além de um abraço, o que ao meu ver já auxilia muito e, é um grande gesto. Ainda assim não temos como aliviar totalmente a angústia ou a dor da situação que os afeta”, lamenta.

O resultado terapêutico na Saúde

Era uma quarta-feira, dia comum de visita aos pacientes do HU. Soraia, mestre em Saúde Coletiva, iria acompanhar uma equipe de voluntários, vestidos de palhaços, no HU.

_ Vocês podem afastar a cortina da janelinha da porta para eu ver daqui de fora? -, solicitou Soraia, gripada, sem poder entrar no quarto.

O paciente estava há quatro dias internado em isolamento, devido a um tratamento quimioterápico, no qual passava. Após o término da visita, uma enfermeira entrou para fazer a administração do antitérmico e ao sair fitou a mestranda com um sorriso.

_O que aconteceu lá dentro? -, perguntou Soraia.

_ No intervalo de menos de uma hora, a febre baixou para 36 graus, sem uso de medicação -, respondeu.

A pesquisadora ficou com aquilo na mente. Nesse intervalo de tempo tinha ocorrido a interação com os voluntários.

Na visão da pesquisadora o resultado primordial do trabalho dos TAs é a mudança do foco da doença para a brincadeira. Há uma ressignificação do espaço, antes visto com um lugar ruim. “Com a habilidade do improviso, os palhaços permitem que os adultos entrem nesse mundo de fantasia”, explica. Valéria, a coordenadora do projeto, acredita que esse resultado vem do respeito com o paciente. “Por mais que a proposta do projeto seja de ressignificar o ambiente hospitalar através dos personagens com seus jalecos coloridos, narizes de palhaço, enfeites e adereços extravagantes, ainda estamos lidando com seres humanos em seus estados mais frágeis, e que merecem respeito absoluto”. Por isso, explica, quando não há receptividade por parte dos pacientes, os terapeutas compreendem e criam novas brincadeiras. A formação do palhaço no projeto é direcionada para esse trabalho com diferentes reações e pessoas.

O hospital da UFSC possui quatro enfermarias, duas clínicas médicas, duas clínicas cirúrgicas e outra pediátrica. Soraia, pesquisadora em Saúde Coletiva, coletou dados do trabalho desenvolvido pelos terapeutas, analisando como ocorria o processo de integração e, principalmente, buscando qual os significados que os pacientes atribuíam a essas interações. Soraia explica que isso só foi possível por meio de uma pesquisa qualitativa, com observação das interações e entrevistas com os pacientes visitados pelos TA. Eles são grupos de interação que tentam tirar o paciente do foco da doença, aliviar uma rotina hospitalar e modificar a condição de paciente, mas resultados quantitativos até agora não foram prescritos em pesquisas. “Não é fácil relacionar a um resultado científico. Não dá pra saber se o paciente melhorou somente por causa das visitas, apesar dela trazer ressignificado para aquele ambiente”, diz. Em sete dias diferentes nas clínicas cirúrgicas, a pesquisadora conversou com 11 pacientes, oito estavam acompanhados de familiares ou amigos no momento da pesquisa. O período de internação dos entrevistados variou de 8 a 38 dias e apenas um deles esteve internado por quatro dias. A maioria das internações era por pré e pós-operatórios de tumores no estômago, esôfago, pâncreas, fígado, pedra na vesícula, apendicite pseudotumoral e leucemia.

Nas visitas em que os acompanhou, Soraia conta que os terapeutas atuaram em conjunto com toda equipe médica do plantão na enfermaria visitada. Eles primeiro falam com o chefe de plantão, que os direciona para os quartos visitados. Todo o processo tem que ser em conjunto para saber quem pode ser visitado ou não. “Eles contagiam de alegria a todos, brincando com todo mundo que está na recepção, corredores e quartos”. Quando chegam no quarto, apresentam-se e perguntam ao paciente seu nome e nunca esquecem de chamá-lo desse jeito, criando uma relação afetuosa e respeitosa. Ali começa o primeiro vínculo e, com o desenrolar da visita, o paciente que direciona a brincadeira.

O trabalho é em equipe, cada um ajuda o outro na interação e a não sair do personagem. Nas visitas realizadas durante o mês de junho, nos dias 09 e 22, 12 terapeutas estiveram presentes, três deles como coordenadores. A equipe foi dividida em dois grupos de palhaços ao chegar na ala hospitalar. Um coordenador, um terapeuta e um estagiário, aproximadamente, para que o quarto não ficasse muito lotado e não incomodasse os pacientes. No fim de cada interação, os terapeutas pediram aos internados que fechassem os olhos para um procedimento médico. Nessa hora, eles entregaram o “o pó de ficar bom” e fizeram uma recomendação:

_ Dá próxima vez, não quero mais encontrar você aqui, combinado? -, fala o terapeuta em tom sério.

Os pacientes costumam responder de forma positiva e aceitar que o custo da próxima consulta será de “doze milhões, quatrocentos mil e …dólares”. No fim, todos sabem que não custará nada.

O significado vai muito além do abraço oferecido. É um momento terapêutico. Algumas pessoas choram, outras riem e parecem acreditar no procedimento. Um exemplo foi a interação do terapeuta Bruno com uma acompanhante de quarto, quando pediu para escutar o coração do marido dela.

_ Olha só, agora eu sei porque vocês estão casados há 30 anos. Dá pra escutar daqui o amor que ele sente pela senhora!

A esposa ficou emocionada, os terapeutas e a própria repórter também.

É um trabalho que sensibiliza, como expectador e como participante. Para a pesquisadora Soraia, não foi diferente. O ambiente hospitalar nunca foi muito atrativo aos seus olhos, visto como um espaço de silêncio e relacionado muitas vezes à doença, ela não queria estar ali. “Quando eu chegava, via eles nessa boa vontade, nessa doação, nessa alegria, eu me transformava. Ao final, eu saía com o sorriso no rosto e deixava para trás a testa franzida e o peso nas costas”, relembra. Ao seu ver, a ação não consiste em apenas piadas e risos, mas em entrega. “Tamanha doação realmente emociona”. Segundo ela, os pacientes parecem que estão à espera daquele encontro, para poder contar sobre sua vida e relaxar. Os terapeutas sabem disso e fazem questão de tratar todos com amor e respeito.

Infelizmente, não é sempre que a equipe de voluntários consegue estar presente em todas as atividades. Tudo depende da vontade e da disponibilidade de cada participante. Neste ano, as atividades têm tido muita contribuição dos estagiários, que estão empolgados e se encontrando no projeto. Valéria diz que a rotatividade dos terapeutas é grande. “A carga-horária de trabalho fora da UFSC ou a rotina acadêmica de cada um dificulta o comprometimento com o projeto”. Para ser um palhaço é importante a presença nos hospitais, mas também nos encontros realizados pelo NUHAS para construir o senso de coletividade, necessário dentro do hospital.

Aos interessados em participar do projeto, as seleções são feitas sempre no começo de todo semestre e as vagas costumam ser limitadas. O único dom exigido é a vontade de ajudar o próximo. Mais informações na página do facebook dos Terapeutas da Alegria: https://www.facebook.com/terapeutasdaalegria/

Reportagem completa publicada em: https://suelenrocha.atavist.com/os-terapeutas-do-abraco